sábado, 6 de novembro de 2010

"Sakineh é vítima dos conflitos entre Teerã e as províncias iranianas", diz antropóloga


Fariba Adelkah, antropóloga e especialista em Irã no Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais (CERI-Sciences Po), acredita que o caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por adultério e cumplicidade no assassinato de seu marido, ilustra as relações complexas no Irã entre o governo central e as províncias “autonomistas”.



Le Monde: Como anda hoje o processo judicial a respeito de Sakineh Mohammadi Ashtiani?



Fariba Adelkah: O processo judicial é da alçada de um tribunal de primeira instância da província do Azerbaijão Oriental [noroeste do Irã], então a decisão foi tomada de maneira autônoma em relação a Teerã. A posição do governo central não foi respeitada, pois segundo o pedido do ministro da Justiça iraniana, desde 2007, toda pena de apedrejamento deve ser reduzida para pena de enforcamento. E isso em um país onde a pena de morte existe, o que naturalmente eu lamento.



Logo, esse caso nos ensina que Teerã nem sempre pode impor sua autoridade e seus pontos de vista sobre as decisões tomadas nas províncias.



Em certas províncias, sobretudo nas províncias fronteiriças, a lei local, a lei familiar e a lei tribal prevalecem sobre a lei da República. Ainda mais aqui, onde o assassinato do marido de Sakineh vem acompanhado de uma história de família: o marido assassinado e o suposto amante são primos. Não se deve subestimar a parte da vingança neste caso.



Le Monde: A mobilização internacional foi produtiva ou contraproducente? Que impacto o caso Sakineh teve no Irã?



Adelkah: Sim, acredito que a mobilização internacional tenha sido muito produtiva pela simples razão de que o apedrejamento foi suspenso, e o debate sobre a aplicação de certas práticas voltou com muita força, especialmente nos dois círculos de defesa dos direitos da mulher.



Pode ser também que a mobilização internacional tenha acentuado uma situação de conflitos dentro do sistema político iraniano. Uma vez pronunciada a pena de morte, o governo central se viu em dificuldades por causa da midiatização desse caso. Mas ele também precisava gerir os pedidos vindos dos autonomismos locais, e sobretudo a vontade de autonomia do Azerbaijão da qual muito se falou nos últimos anos.



Na verdade, desde a revolução iraniana de 1979, ouvia-se que o governo central era contra o apedrejamento, mas isso sem contar com as opiniões do clero, que também se divide sobre a questão. E é exatamente essa situação que é utilizada com frequência pelos grupos feministas e de defesa dos direitos humanos.



O governo de Teerã tem, portanto, diversas preocupações: o tradicionalismo de suas províncias, o conservadorismo de seu clero, e sua legitimidade no cenário internacional. Ele parece impotente em relação a essas regiões nas quais os juízes querem ser independentes em relação às instituições políticas e à religião. Por querer se preocupar com a visibilidade do Irã no cenário internacional, o governo central cede, flexibilizando-se em algumas leis.



Sakineh foi o único caso de apedrejamento em mais de 200, em trinta anos, que criou uma crise como essa, e pode-se esperar que seja o último, na medida em que ela parece ao mesmo tempo vítima, mas também reveladora da radicalização desses conflitos.



Le Monde: A senhora é otimista quanto a uma mudança das leis desse gênero?



Adelkah: Esse drama expôs de forma incisiva as relações entre religião e política que a República Islâmica, paradoxalmente, continua a dissociar, sem ter condições de encontrar entre eles um equilíbrio coerente.



E nesse debate, é a situação de certas leis islâmicas que se vê questionada, para grande tormento de parte dos clérigos. Creio que podemos permanecer moderadamente otimistas enquanto os critérios de avaliação e de julgamento forem a racionalidade de certas práticas islâmicas, sua viabilidade no tempo presente, ou ainda a preocupação com a imagem do Irã no cenário internacional.



Entretanto, essas evoluções são sujeitas à rivalidade entre o clero de Teerã, cuja ascensão foi favorecida pelo Líder da Revolução, e o clero da cidade santa de Qom, e também à dificuldade encontrada pelo novo chefe do poder judiciário, Mohammad Javad Laridjani, irmão do presidente do Parlamento, para se impor a uma hierarquia clérigo-judiciária, mais antiga e experiente do que ele mesmo.



Tradução: Lana Lim





FONTE: UOL / LE MOND - Brune Mauger

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