Supremo julga
procedente ação da PGR sobre Lei Maria da Penha
Por maioria de
votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) julgou procedente, na sessão de hoje (09), a Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da
República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha
(Lei 11.340/2006).
A corrente
majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no
sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem
necessidade de representação da vítima.
O artigo 16 da
lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da
ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba
por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi
esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos
no âmbito da Lei Maria da Penha.
Ministra Rosa
Weber
Primeira a
acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher
agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria
dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a vítima de
proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. Segundo ela, é
necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos
Juizados Especiais (Lei 9.099/95).
Dessa forma, ela
entendeu que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência
doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública
incondicionada.
Ministro Luiz
Fux
Ao acompanhar o
voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da
Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro Luiz Fux afirmou
que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro
num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.
“Sob o ângulo da
tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República
Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de
ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a
proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma
violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.”
Ministro Dias
Toffoli
Ao acompanhar o
posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do
ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro afirmou que o Estado
é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de
sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. Assim,
fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se preceitua que “o
Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”,
o ministro Dias Toffoli acompanhou o relator.
Ministra Cármen
Lúcia
A ministra
Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no
que se refere aos direitos das mulheres. Citando ditados anacrônicos – como,
“em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e “o que se passa na cama é
segredo de quem ama” –, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto
das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver
violência.
Para ela,
discussões como a de hoje no Plenário do STF são importantíssimas nesse
processo. “A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à
Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na
possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado
de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo
eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem
assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são
mulheres sofridas”, asseverou.
Ministro Ricardo
Lewandowski
Ao acompanhar o
relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno
do fenômeno conhecido como “vício da vontade” e salientou a importância de se
permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa.
“Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os
juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os
antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não
representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente
coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da
vontade”, finalizou.
Ministro Gilmar
Mendes
Mesmo afirmando
ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal
pública condicionada à representação da agredida ou a ação incondicionada, o
ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em muitos casos a
ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação
familiar. “Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente,
declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de
fatos, vou acompanhar o relator”, disse.
Ministro Joaquim
Barbosa
O ministro
Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de
certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de
vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos,
edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando
em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. “É o
que ocorre aqui”, concluiu.
Ministro Ayres
Britto
Para o ministro
Ayres Britto, em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a
condescender com o agressor. “A proposta do relator no sentido de afastar a
obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da
ação penal pública me parece rimar com a Constituição”, concluiu.
Ministro Celso
de Mello
O decano do
Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator. “Estamos
interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o
ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos
atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da
Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não
apenas no plano processual, mas também no plano material”, disse.
Para o ministro
Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado
durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo
8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e
familiar pelo Estado.
Ministro Cezar
Peluso
Único a divergir
do relator, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, advertiu para os riscos
que a decisão de hoje pode causar na sociedade brasileira porque não é apenas a
doutrina jurídica que se encontra dividida quanto ao alcance da Lei Maria da
Penha. Citando estudos de várias associações da sociedade civil e também do
IPEA, o presidente do STF apontou as conclusões acerca de uma eventual
conveniência de se permitir que os crimes cometidos no âmbito da lei sejam
processados e julgados pelos Juizados Especiais, em razão da maior celeridade
de suas decisões.
“Sabemos que a
celeridade é um dos ingredientes importantes no combate à violência, isto é,
quanto mais rápida for a decisão da causa, maior será sua eficácia. Além disso,
a oralidade ínsita aos Juizados Especiais é outro fator importantíssimo porque
essa violência se manifesta no seio da entidade familiar. Fui juiz de Família
por oito anos e sei muito bem como essas pessoas interagem na presença do
magistrado. Vemos que há vários aspectos que deveriam ser considerados para a
solução de um problema de grande complexidade como este”, salientou.
Quanto ao
entendimento majoritário que permitirá o início da ação penal mesmo que a
vítima não tenha a iniciativa de denunciar o companheiro-agressor, o ministro
Peluso advertiu que, se o caráter condicionado da ação foi inserido na lei,
houve motivos justificados para isso.
“Não posso supor que o legislador tenha sido leviano ao estabelecer o
caráter condicionado da ação penal. Ele deve ter levado em consideração, com
certeza, elementos trazidos por pessoas da área da sociologia e das relações
humanas, inclusive por meio de audiências públicas, que apresentaram dados
capazes de justificar essa concepção da ação penal”, disse.
Ao analisar os
efeitos práticos da decisão, o presidente do STF afirmou que é preciso
respeitar o direito das mulheres que optam por não apresentar queixas contra
seus companheiros quando sofrem algum tipo de agressão. “Isso significa o
exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade
do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua história, é dele a
capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece que transpareceu
nessa norma agora contestada”, salientou. O ministro citou como exemplo a
circunstância em que a ação penal tenha se iniciado e o casal, depois de feitas
as pazes, seja surpreendido por uma condenação penal.
FONTE: STF / RR,VP/AD