Supremo decide por 6 a 5 que CNJ
tem autonomia para investigar juízes
Maioria entendeu que conselho
pode abrir processos contra magistrados. Ação contestava competência do órgão
para fazer isso antes dos tribunais.
O Supremo Tribunal Federal
decidiu por 6 votos a 5 que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem autonomia
para investigar e punir juízes e servidores do Judiciário. Com o resultado, perde
efeito decisão liminar (de caráter provisório) do ministro Marco Aurélio Mello
que reduzia a autonomia do CNJ.
Ação proposta em agosto do ano
passado pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) contestava a
competência do órgão para iniciar investigações e aplicar penas administrativas
antes das corregedorias dos tribunais.
No processo, a entidade
questionava a legalidade da resolução 135 do CNJ, que regulamenta processos
contra magistrados e prevê que o conselho pode atuar independentemente da
atuação das corregedorias dos tribunais.
Desde quarta-feira (1º), quando a
votação foi interrompida devido à primeira sessão do ano do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), os ministros decidiram debater a legalidade de cada item da
resolução.
O 12º artigo da resolução, que
trata exatamente da autonomia do conselho para investigar e punir, foi
examinado isoladamente pela Corte nesta quinta.
“Para os processos
administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades
previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado
o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça”, diz o
artigo.
Os ministros Marco Aurélio Mello,
Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Cezar Peluso e Celso de Mello foram a favor da
limitação dos poderes do CNJ, com base na invalidação desse artigo. Gilmar
Mendes, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Rosa Maria Weber e José
Antonio Dias Toffoli por sua vez, votaram contra.
Os ministros que saíram vencidos
no julgamento admitiram que o conselho possui competência para iniciar
investigações, mas destacaram que o órgão precisa motivar a decisão de agir
antes das corregedorias e que essa atuação precisa ser justificável. Para a
maioria do Supremo, porém, essa exigência de motivação já limitaria a atuação
do CNJ.
Após o término da sessão, Marco
Aurélio Mello criticou a decisão da maioria do Supremo.
“É um super órgão a quem o
Supremo deu uma carta em branco. Só espero que não haja um despejo do Supremo
do prédio que ele hoje ocupa”, afirmou.
Marco Aurélio Mello
Após o término da sessão, Marco
Aurélio Mello, relator da matéria, criticou a decisão da maioria do Supremo. “É
um superórgão a quem o Supremo deu uma carta em branco. Só espero que não haja
um despejo do Supremo do prédio que ele hoje ocupa”, afirmou.
No julgamento, Mello defendeu que
o trecho da resolução sobre a competência do CNJ seja interpretado em
“conformidade com a Constituição”, de modo a fixar a “competência subsidiária”
do conselho.
Ele também contestou o parágrafo
único do artigo 12, segundo o qual as normas previstas na resolução devem ser
observadas pelas corregedorias, que podem se utilizar apenas das regras
internas que não estejam em conflito com as normas do conselho.
Para o ministro, os tribunais
precisam ter autonomia para elaborar suas próprias normas disciplinares. “Uma
vez mais, verifica-se a invasão da autonomia administrativa dos tribunais para
regular o procedimento disciplinar”, disse.
O ministro afirmou que a
Constituição “não autoriza o Conselho Nacional de Justiça a suprimir a
independência dos tribunais”. Para ele, o objetivo final de punir magistrados,
não pode justificar o descumprimento da lei.
“Como tenho enfatizado à
exaustão, o fim a ser alcançado não pode justificar o meio empregado, ou seja,
a punição dos magistrados que cometem desvios de conduta não pode justificar o
abandono do princípio da legalidade.”
Rosa Weber
Em seu primeiro julgamento como
ministra do STF, Rosa Weber votou pela manutenção dos poderes do CNJ.
“A multiplicidade e discrepância
a que sujeitos os juízes em sede disciplinar atentam contra o princípio da
igualdade. [...] Reclama a existência de um regramento uniforme da matéria”,
afirmou. “Entendo que a competência do CNJ é originária e concorrente e não
meramente supletiva e subsidiária”, concluiu a ministra.
Questionada pelo ministro Marco
Aurélio Mello se a atuação do CNJ independe de motivação, a ministra afirmou:
“Entendo que a atuação do CNJ independe de motivação expressa, sob pena de
retirar a própria finalidade do controle que a ele foi conferido.”
A ministra defendeu ainda a
atribuição do CNJ de elaborar regras relativas a procedimentos disciplinares.
Gilmar Mendes
Para o ministro Gilmar Mendes, se
o STF estabelecer que o CNJ só pode atuar em caso de ineficácia das
corregedorias, serão jogadas "por terra" todas as ações do conselho.
“Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se trata de
investigar os próprios pares”, disse.
“Isso é um esvaziamento brutal da
função do Conselho Nacional de Justiça”, complementou o ministro ao justificar
que se criaria "uma insegurança jurídica" ao limitar os poderes da
entidade.
Cezar Peluso
O presidente do STF, Cezar
Peluso, votou no sentido de permitir que o CNJ abra investigação, mas a decisão
precisa ser motivada e justificar afastamento da competência das corregedorias.
“Eu não tenho nenhuma restrição
em reconhecer que o CNJ tem competência primária para investigar, mas tampouco
não tenho nenhuma restrição a uma solução que diga o seguinte: 'Quando o CNJ o
fizer dê a razão pela qual está prejudicando a competência do tribunal'”,
disse.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski
adiantou o voto quanto à competência do CNJ de investigar juízes e decidiu pela
limitação dos poderes da entidade. Ele ressalvou que não considera a competência
do conselho subsidiária, mas sim material, assim como a das corregedorias, mas
disse que o órgão só pode atuar em caso de falhas nas investigações dos
tribunais.
“O CNJ embora tenha recebido essa
competência complementar [...] não pode exercê-la de forma imotivada, visto que
colidira com princípios e garantias que os constituintes originários
instituíram não em prol apenas dos magistrados, mas de todos os brasileiros”,
afirmou.
Segundo ele, o exercício do CNJ
“depende de decisão motivada apta de afastar a competência dos tribunais desse
campo e sempre formada pelo princípio da proporcionalidade”.
Joaquim Barbosa
O ministro Joaquim Barbosa
defendeu a autonomia do CNJ. “Quando as decisões do conselho passaram a expor
situações escabrosas no seio do Poder Judiciário nacional vem essa insurgência
súbita, essa reação corporativista contra um órgão que vem produzindo
resultados importantíssimos no sentido da correição de mazelas no nosso sistema
de Justiça”, disse.
Luiz Fux
O ministro Luiz Fux falou da
importância do CNJ, mas defendeu que o conselho só atue quando as corregedorias
se mostrarem ineficazes. “É possível o Conselho Nacional de Justiça ter
competência primária e originária todas as vezes que se coloca uma situação
anômala a seu ver”, afirmou.
Dias Toffoli
O ministro José Antonio Dias
Toffoli, votou a favor de o CNJ atuar antes das corregedorias, sem precisar
motivar sua decisão.
“As competências do conselho
acabam por convergir com as competências dos tribunais. Mas é certo que os
tribunais possuem autonomia, não estamos aqui retirando a autonomia dos
tribunais”, disse.
Cármen Lúcia
A ministra Carmen Lúcia também
defendeu que não é preciso motivação formal para que o CNJ atue de forma
concorrente às corregedorias. “A competência constitucionalmente estabelecida é
primária e se exerce concorrentemente de forma até a respeitar a atuação das
corregedorias”, disse.
Ayres Britto
O ministro Ayres Britto votou a
favor da autonomia do CNJ em investigar juízes e servidores. Segundo ele, o
"CNJ não pode ser visto como um problema". "O CNJ é uma solução,
é para o bem do Judiciário", disse.
Para ele, estabelecer que o CNJ
só pode atuar em casos de vícios das corregedoria é como "exigir do
conselho o ônus da prova".
Celso de Mello
Para Celso de Mello, o CNJ só
deve atuar em caso de falhas das corregedorias dos tribunais. "Se os
tribunais falharem, cabe assim, então, ao conselho investigar. Não cabe ao
conselho dar resposta para cada angústia tópica que mora em cada
processo", afirmou Celso de Mello.
Observações
Após o voto de Celso de Mello, o
presidente do Supremo, Cezar Peluso, que já se manifestou durante o julgamento
pela necessidade de o CNJ motivar eventual atuação concorrente às
corregedorias, decidiu fazer "breves observações".
“A função do CNJ não é extinguir,
anular, decapitar as corregedorias dos tribunais, mas remediar a deficiência de
sua atuação. Portanto, me parece que, do ponto de vista do funcionamento do
sistema, a questão é saber se o Conselho Nacional de Justiça voltou seus olhos
para essas deficiências dos corregedores que não cumprem seus deveres”, disse
Peluso.
Outros artigos
O primeiro artigo analisado pelos
ministros ainda na quarta-feira foi o 2º, segundo o qual "considera-se
Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacional de Justiça, o
Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça
Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na
Constituição e nas leis próprias."
A AMB, autora da ação contra a
autonomia do CNJ, questionava a legalidade do artigo pelo fato de o conselho
ser definido pela Constituição como "órgão administrativo" e não
tribunal.
No entanto, todos os ministros do
Supremo, com exceção do presidente da Corte, entenderam que o vocábulo
"tribunal" foi utilizado apenas para deixar claro que o CNJ está
submetido às normas previstas na resolução.
Publicidade de processos
Os ministros também analisaram
nesta quinta os artigos 4 e 20 da resolução 135 do CNJ. A AMB pediu a derrubada
do artigo 4, sobre sigilo na imposição das sanções de advertência e censura aos
magistrados. O artigo 20, por sua vez, estabelece que os julgamentos de
processos administrativos disciplinares contra juízes será público. Para a
associação, a divulgação das sessões é contrária ao interesse público, porque
desacredita o Poder Judiciário.
O plenário do Supremo rejeitou os
pedidos. “O respeito ao Poder Judiciário não pode ser obtido por meio de
blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão
sancionador”, afirmou o relator, Marco Aurélio Mello.
O ministro Luiz Fux foi voto
vencido. Ele defendeu que processos disciplinares contra magistrados sejam
sigilosos, para que seja respeitado o princípio da dignidade humana.
O ministro Marco Aurélio rebateu:
“O sigilo é uma balela, pois a existência do processo vem a baila e passa a ser
do conhecimento popular.” Para o ministro, o sigilo dá a entender, por vezes,
que o delito é maior ainda do que o de fato cometido.
Regras de investigação
Os ministros também analisaram os
artigos 8º e 9º. O artigo 8º diz que os corregedores e presidentes de
tribunais, quando tiverem ciência de irregularidades, são obrigados a “promover
a apuração imediata dos fatos”, em observância aos termos estabelecidos pela
resolução.
Já o artigo 9º diz que a denúncia
de irregularidades pode ser feita por qualquer pessoa, por escrito e com
confirmação da autenticidade. O artigo afirma ainda que quando o “fato narrado”
não configurar infração, o procedimento contra o magistrado deverá ser
arquivado e o fato precisará ser comunicado em 15 dias à Corregedoria Nacional
de Justiça. A maioria do Supremo manteve eficácia dos artigos, alterando apenas
detalhes da redação.
Recurso
Os ministros também decidiram
manter o artigo 10, que diz: “Das decisões referidas nos artigos anteriores
caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da
representação.”
A AMB questionava a competência
do CNJ para instituir recurso em procedimento disciplinar em trâmite nos
tribunais. O relator votou pela supressão do artigo, mas não foi acompanhado
pela maioria. Os ministros apenas pediram a supressão do trecho: “por parte do
autor da representação”. O objetivo é garantir a todas as partes interessadas a
possibilidade de recorrer das decisões dos tribunais.
Os ministros também debateram
trecho da resolução do CNJ que prevê a aplicação da Lei 4.898, de 1965, a
magistrados que tenham cometido abuso de poder. A maioria dos magistrados do
Supremo decidiu invalidar o artigo, pois, segundo eles, em caso de abuso de
poder, devem ser aplicadas as sanções previstas na Lei Orgânica da
Magistratura.
FONTE: SITE G1 / Nathalia
Passarinho - Do G1, em Brasília