A legislação é branda e há
descaso, segundo advogada de causa animal
Casos de crueldade são
considerados de pequeno potencial ofensivo. Infratores geralmente sofreram
algum tipo de violência quando crianças.
O vídeo de uma mulher espancando
até a morte um cão na frente do filho pequeno chocou a cidade de Formosa (GO) e
muitos leitores e espectadores do país. A polícia iniciou a investigação, mas,
como o caso de crueldade animal é considerado de pequeno potencial ofensivo, a
pessoa não deverá responder a processo.
"O que acontece é que o promotor
propõe a transação penal, que é um acordo. Nesse acordo é imposta alguma pena
restritiva de direitos, uma multa baixa, uma prestação de serviços. A pessoa se
livra do processo e o fato de ela celebrar esse acordo não implica num
reconhecimento de culpa", explica a advogada e presidente da União
Internacional Protetora dos Animais (UIPA), Vanice Teixeira Orlandi.
"As autoridades não punem
devidamente. A legislação é branda. Todo o procedimento é extremamente moroso
pra punir quem pratica esses atos", diz a advogada. "Eu atribuo à
omissão das autoridades esse número de casos. Existe um descaso, um despreparo
das autoridades para lidar com o assunto. Nosso maior desafio é fazer cumprir a
legislação. Até hoje ainda não conseguimos."
O caso de Formosa se seguiu a
outros como o do cão Titã, enterrado vivo em Novo Horizonte (SP); de Lino,
arrastado na rua em João Pessoa (PB); e de um filhote achado com o focinho
mutilado em São Paulo (SP).
Por quê?
A pergunta imediata que se faz em
casos como esses é: qual o motivo para o ato de crueldade? "A explicação
busca uma causa no estado emocional presente da pessoa que comete esses atos.
Mas, uma explicação não imediatista precisa levar em conta a estrutura
emocional e moral dessa pessoa. [...] Via de regra, são pessoas que sofreram
algum tipo de violência quando crianças, ou na própria carne (estupro, abuso
sexual, espancamentos), ou testemunhando esses atos praticados contra alguma
outra criança.
Quando as crianças são testemunhas de atos destruidores do corpo
(atos somatofóbicos), o trauma provoca uma fissura afetiva e moral. Assim,
quando a pessoa está sob um estresse emocional ou físico, que leva o cérebro a
produzir a mesma química que ele produzia lá na infância, quando as cenas de
violência foram testemunhadas ou sofridas, parece que a única válvula de
escape, para a pessoa agora adulta, é fazer algo do mesmo tipo com algum
animal", explica a filósofa e especialista em ética animal Sônia Felipe.
"O fato de serem os
cachorros as vítimas mais frequentes desse tipo de maus-tratos se deve a que
eles são parte da família, embora na aparência tenham quatro patas, um focinho,
não falem e nem aprendam a ler. A violência praticada contra eles é da mesma
ordem da violência praticada por outras pessoas contra o corpo das mulheres,
das crianças, dos excepcionais, dos idosos."
Mais casos ou mais denúncias?
Apenas
levantamos uma cortina e o cenário estava lá, montado, desde sempre, sem que
pudesse ser visto. Agora é preciso aprender a lidar com esse problema e propor
projetos para dirimir a violência contra os animais", diz Sônia.
Cachorro
estava internado nesta terça-feira e passava bem (Foto: Clara Velasco/G1)
FONTE: G1.GLOBO / Giovana Sanchez
- Do G1, em São Paulo