segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Após 30 anos, uma pista sobre o atentado à OAB



Trinta anos depois do atentado a bomba na OAB, que matou a secretária Lyda Monteiro, militares ligados ao setor de informações do Exército trazem novos indícios sobre o elo entre este episódio e o ataque no Riocentro, em 1981. Um grupo de agentes do DOI-Codi no Rio teria participado das duas ações, revela o repórter Chico Otávio.

Entre eles, o sargento Guilherme do Rosário, que morreu ao explodir a bomba no Riocentro, e um sargento identificado como "agente Guarani" - o hoje segundotenente Magno Motta. O único processado pelo caso foi absolvido, e ninguém jamais foi punido pelo atentado.

 
 
 
 
Em homenagem a d. Lyda, OAB/RJ anuncia que vai pedir reabertura de inquérito
 

A Ordem dos Advogados do Brasil vai pedir a reabertura do inquérito sobre a morte de dona Lyda Monteiro, anunciou o presidente da Seccional, Wadih, Damous, na cerimônia realizada no dia 27 em homenagem à memória da funcionária do Conselho Federal, mortalmente atingida, há 30 anos, ao abrir uma carta-bomba endereçada ao seu então presidente, Eduardo Seabra Fagundes.

O secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ministro Paulo Vannuchi, presente ao evento, prontificou-se a solicitar à Polícia Federal ajuda na localização dos agentes que investigaram o crime à época, para que "falem tudo o que sabem". O presidente do Conselho Federal, Ophir Cavalcante, apoiou a medida anunciada por Wadih e disse que constituirá uma comissão para analisar e propor as ações judiciais necessárias e cabíveis para o requerimento.

O dirigente da Seccional justificou o pedido de reabertura das investigações - que pretende estender ao atentado do Riocentro, em 1981 - a partir da recente reportagem do jornal O Globo trazendo "importantíssimas e novas informações sobre o atentado" à OAB, e "delineando a rede de ligações" entre os vários agentes da repressão mencionados e seus superiores, "figuras carimbadas das listas de notórios torturadores".

"O que falta, então, para que a verdade prevaleça e as punições aconteçam?", questionou Wadih, para quem a Ordem está obrigada a pugnar pela retomada das investigações. "É nosso dever e a OAB jamais deixou de cumprir com os seus deveres. Espero que o Judiciário cumpra com o seu, apure as responsabilidades e puna os culpados".

"Aquela bomba, detonada às 13h40h do dia 27 de agosto de 1980, ecoa até hoje e seus estilhaços nos atingem e incomodam. Seu estrondo nos sacode a cada dia em que esse crime bárbaro, esse ato de terror praticado por agentes dos órgãos de repressão vinculados ao aparato do Doi-Codi, não for completamente esclarecido. Quem ordenou? Quem executou? Onde se encontram esses funcionários de um dos aparatos da administração pública brasileira?", indagou Wadih em discurso emocionado.

"Não podemos mais conviver sob o signo dessa conveniente ignorância. Passados 30 anos, nossas instituições democráticas sólidas, conquistadas pela luta do povo e dos democratas, com a contribuição inestimável dos advogados brasileiros liderados por sua OAB, nos permitem conhecer a verdade sobre aqueles anos terríveis, nomeando à autoria os que cometeram crimes de lesa-humanidade", afirmou o presidente da Seccional.

Para o presidente do Conselho Federal, "a impunidade não pode prevalecer na nossa sociedade, que exige o esclarecimento de fatos como esses, para que não se repitam em nossa história". Ophir cobrou a total abertura dos arquivos do período da ditadura, "para que a história brasileira seja conhecida em sua inteireza".

O ex-presidente Seabra Fagundes afirmou não ter dúvidas sobre a motivação dos responsáveis ao enviar a carta-bomba dirigida a ele no dia 27 de agosto de 1980. "O que se quis foi atingir a entidade que estava à frente da luta contra a ditadura; pensaram que a OAB seria decapitada com a morte de seu presidente. Nós mostramos que não nos intimidamos, e tenho orgulho de dizer que nunca iremos nos curvar à violência".

O filho de dona Lyda, advogado Luiz Felippe Monteiro Dias, agradeceu a homenagem à mãe e considerou lamentável, que passados 30 anos, não se tenha apurado "quem financiou, quem deu a ordem e quem executou". Ele mostrou um desenho do "suspeito" apresentado pelas autoridades na época: um rosto sem olhos, sem nariz e sem boca, "um retrato mudo", ironizou Felippe, ao criticar "o boicote" das investigações por autoridades militares. "Acredito que deste dia em diante, a apuração siga em frente. Quero os nomes dos culpados, quero que fiquem registrados como terroristas".

A cerimônia, realizada no plenário do prédio onde funcionava o Conselho Federal, no centro carioca, reuniu também seus ex-presidentes Eduardo Seabra Fagundes e Hermann Assis Baeta, os ex-presidentes do Instituto dos Advogados Brasileiros Calheiros Bomfim e Henrique Maués; o presidente da Comissão de Anistia do governo federal, Paulo Abrão; o secretário estadual de Direitos Humanos, Ricardo Henriques; o vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz; o vice-presidente do Tribunal de Justiça, Sérgio Verani, os conselheiros federais da OAB Cláudio Pereira de Souza Neto e Marcus Vinicius Cordeiro, os presidentes das seccionais da Bahia, Saul Quadros; do Amazonas, Antonio Barros de Mendonça; do Espírito Santo, Homero Mafra; o secretário-geral da OAB/MA, Carlos Augusto Macedo, o ex-presidente da Seccional fluminense Helio Saboya; o presidente da Caarj, Felipe Santa Cruz; o presidente do Sindicato dos Advogados, Sérgio Batalha, conselheiros, presidentes de subseções, procuradores de Justiça, parlamentares de diversos partidos, representantes de organizações de defesa dos direitos humanos e lideranças estudantis.


FONTE: OAB-RJ / Da redação da Tribuna do Advogado



Com Geisel, início do desmonte do DOI


A operação de desmonte do Destacamento de Operações de Informações no Rio de Janeiro (DOI I), ordenada pelo governo Geisel, está descrita pelo coronel Sérgio Mauro Pasquale, ex-chefe da 2ª Seção (Informações) do 1º Exército, em depoimento prestado ao projeto História Oral do Exército (1964-31 de março). Ele conta que o objetivo era tornar o DOI "mais técnico".

"Companheiros haviam prestado um grande serviço e já estavam psicologicamente abalados em função da atividade que desenvolviam. Fizemos uma renovação por intermédio de uma seleção apurada", diz um trecho do depoimento. O próprio coronel fora escolhido a dedo pelo então comandante do 1º Exército, general Reynaldo Mello Almeida, para conduzir o processo de gradativo afastamento dos militares do combate aos "movimentos subversivos" e de diminuição dos maus tratos a presos políticos.

Os atos terroristas, desencadeados no contexto da insatisfação com as mudanças no aparelho repressivo, teriam arruinado a saúde do general João Figueiredo, sucessor de Geisel, cujo governo foi alvejado pelos estilhaços da bomba do Riocentro.

- Quando começa a abertura, os setores de segurança (que prendiam e faziam os interrogatórios) entram em processo de desmobilização. A nova missão era criar ou fortalecer as atividades de informação. Por ficar desprestigiado, esse pessoal reagiu - atesta o historiador Carlos Fico (UFRJ), autor do livro "Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar".

Fico disse que, embora gozasse de prestígio durante todo o ciclo militar, dispondo até de verbas secretas, o SNI teve um papel dúbio no processo. Apesar de seus comandantes, os generais Octávio Medeiros (ministrochefe) e Newton Cruz (chefe da Agência Central), mostraremse leais ao presidente, a ação clandestina dos agentes só foi enfrentada depois da explosão que matou o sargento Rosário no Riocentro: - O SNI era dúbio porque alguns setores tinham conexão com os porões. Essa ambiguidade foi tão dramática que devastou a saúde de Figueiredo. Ele entrou de um jeito no poder e saiu de outro. Os anos finais de governo foram marcados pela apatia. Esse dilaceramento estava ligado à comunidade que havia chefiado - disse Fico.

SNI atrapalhou investigação do caso pela PF

Além das dificuldades naturais de uma investigação sobre três atentados simultâneos, com duas explosões, uma pessoa morta e outra gravemente ferida, a Polícia Federal enfrentou outro obstáculo para chegar aos culpados pelas ações contra OAB, Câmara Municipal e Sunab, em agosto de 1980: a ostensiva interferência do Serviço Nacional de Informações (SNI) no trabalho dos agentes e delegados.

Depoimentos revelam hoje que a Agência Rio do SNI não apenas plantou o nome do único suspeito do caso como quis conduzir as investigações.

Um pedaço de papel, com o nome de um delegado anotado, e uma tênue ligação entre o suspeito e a máquina de escrever usada pelos terroristas ao endereçar as cartas-bomba foram tudo o que a PF conseguiu reunir para buscar a condenação do réu, o servidor aposentado do Ministério da Agricultura Ronald Watters. Mas a Justiça, em decisão que refletiu o sentimento público da época, preferiu absolver o acusado em 1983.

Grupo buscava na irmandade dinheiro para seu projeto Enquanto erguia a blindagem para conter as investigações da PF sobre Watters, a Agência Rio era cenário da disputa pela hegemonia envolvendo o pessoal da Seção de Operações, que tinha força e poder nos anos mais duros do regime, e os integrantes da Seção de Informações, chamada de "turma da caneta", que amealhava prestígio à medida que o processo de redemocratização avançava.

Foi pelas mãos do SNI que o nome de Watters, que enfrentara em 1962 acusação de terrorismo, chegou ao conhecimento da polícia. Nos arquivos do órgão, ele figurava como um dos acusados de atentado a bomba (não consumado) contra a Exposição Soviética em São Cristóvão. A PF mordeu a isca e apostou todas as fichas no suspeito.

O agente aposentado Luis Antônio Dutra disse que as investigações melaram quando caminhavam na direção dos responsáveis pela ajuda financeira ao suspeito. Sônia Faro, companheira de Watters, foi convencida pela PF a marcar um encontro com assessores de um banqueiro para receber dinheiro que supostamente compraria o silêncio do suspeito.

"Uma agente, disfarçada de Sônia, entrou na agência bancária e pegou o dinheiro. Após o sucesso da missão, quando a chefia da PF pagou o almoço de toda a equipe, a investigação sofreu uma intervenção", lembra o agente.

Dutra conta que, quando a equipe voltou ao alojamento, montado no quinto andar da sede, os agentes do SNI já estavam lá e assumiram tudo. "Desmontaram, inclusive, a aranha que havíamos criado, com nomes de alguns oficiais ligados a Watters, alegando que eles nada tinham com o episódio", recorda-se.

Outro agente chegou a ter o carro roubado na porta de casa. Dentro dele, havia um conjunto de provas do atentado.

"Quando meu marido entrou em casa nervoso, pedindo que eu ligasse para a polícia porque o carro sumira, achei que era brincadeira. Afinal, ele era da polícia", recorda-se a viúva do agente federal Wigmar Ribeiro Gonçalves, dona Fátima.

O maior temor da agência era que as investigações batessem à própria porta. Esse risco foi eliminado, mas a linha-dura da agência jamais teria paz. No ano seguinte, a crise provocada pela morte do sargento Guilherme Rosário, no Riocentro, respingaria nos seus quadros. Em 1983, outra crise envolveria oficiais do SNI na morte do jornalista Alexandre von Baumgarten.

Quando o regime definhava, o grupo, acuado, optou por migrar para a Irmandade Santa Cruz dos Militares, entidade católica de quase 400 anos. O coronel Ary de Aguiar Freire, então chefe de Operações da Agência Rio, assumiu o controle da irmandade e levou para lá parte do grupo, entre eles Freddie Perdigão Pereira, um dos mais notórios agentes da repressão. Também faziam parte do grupo os oficiais Gilberto Cavalcanti Araújo (chefe de Comunicações do SNI), Carlos Alberto Barcellos (que pertenceu aos quadros do DOI) e Firmino Rodrigues Rosa.

A irmandade católica, rica pela grande quantidade de imóveis no Centro, garantiria o fluxo financeiro para o projeto de poder do grupo. Porém, ao descobrir a presença destes agentes da entidade, o governo Sarney encontrou o argumento para poder demiti-los: o Estatuto do Servidor vetava a dupla função.



Bomba na OAB: enfim, um rosto


Paraquedista e agente de operações do DOI-Codi, unidade criada pelo regime militar para dizimar a luta armada no Brasil, o segundo-tenente da reserva Magno Cantarino Motta, de 65 anos, não é chegado a holofotes. Desde que deixou os quartéis, vive recluso numa casa de subúrbio, esconde-se nas sombras e evita falar do passado na Seção de Operações do DOI, onde efetuou prisões e estourou aparelhos.

Para mostrar pela primeira vez um dos prováveis envolvidos na série de atentados que sacudiu o Rio de Janeiro, entre o fim dos anos 70 e o início dos 80, incluindo a explosão que matou Lyda Monteiro na OAB, em 27 de agosto de 1980, foi necessário combinar dados de fontes diversas com paciência e até sorte para flagrar o personagem certo.

Não é exagero dizer que o trabalho de apuração até chegar ao segundo-tenente se arrastou por 11 anos. Desde que integrou, em 1999, a equipe do Globo que assinou a série de reportagens responsável pela reabertura do Caso Riocentro, o malsucedido atentado que matou o sargento Guilherme do Rosário, o repórter Chico Otávio O junta documentos, além de construir uma sólida relação com fontes de área militar.

Para convencê-las a ajudar, quebrando um voto de silêncio, o jornalista explicou que o alvo das reportagens não era o Exército, mas bolsões terroristas incrustados em algumas de suas unidades e que se juntaram a civis, também radicais, numa tentativa de boicotar a abertura política.

Indícios do envolvimento do sargento Rosário (morto em 30 de abril de 1981) nos atentados praticados até então foram o ponto de partida.

Em seguida, o depoimento de um oficial, recolhido do segundo inquérito policial militar (IPM) do Riocentro, indicou que outro sargento do Exército e um tenente da PM, todos lotados na Seção de Operações do DOI/RJ, faziam parte do grupo explosivo. Outro oficial, fonte do repórter, revelou os codinomes usados no DOI pelo sargento ("agente Guarani") e pelo tenente ("Doutor Diogo"). Garantiu que ambos estavam envolvidos nos ataques a alvos de esquerda no Rio.

Do banco de dados do período, o repórter guardara o nome real de Guarani: Magno Cantarino.

Com o nome definido, não foi difícil chegar à casa do militar. Como o repórter-fotográfico MARCELO PIU não conhecia o ex-sargento, saiu recolhendo imagens de homens de sua faixa etária do endereço onde o militar residia, até que recebeu uma pequena foto de Magno. Era o único morador que passara sem ser fotografado. Piu teve sorte: horas depois, o ex-agente Guarani voltou, e Piu conseguiu uma sequência à distância.



Um elo entre dois atentados



Elas jamais esqueceram aquelas feições. Era dia do aniversário de Lyda Monteiro, o primeiro depois de sua morte no atentado à OAB. Ao levar flores à sepultura, perto de uma das entradas do Cemitério São João Batista, na Zona Sul do Rio, Palmyra Monteiro de Figueiredo e Isis Bitencourt, irmã e sobrinha da vítima, se assustaram ao dar de cara com um sujeito estranho, parado diante do túmulo. Desconcertado, o homem disse qualquer coisa sobre a tragédia e saiu apressado. Meses depois, a surpresa de ambas seria maior.

Quando a imprensa exibiu fotos do sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto no fracassado atentado ao Riocentro, Palmyra e Isis não tiveram dúvida: era a mesma pessoa do cemitério.

Como já fizera antes, ao explodir acidentalmente uma bomba em casa, queimando rosto e tórax, e como faria depois, no erro que custaria sua vida no Riocentro, o sargento falhara ao se expor. E, sem querer, as parentas de dona Lyda esbarraram, naquele 5 de dezembro de 1980, na visita ao cemitério, num promissor indício - jamais explorado - da autoria do atentado.

Rosário, ou "agente Wagner"

Sargento Rosário era o experiente "agente Wagner" da Seção de Operações de Informações do DOI-Codi no Rio. Junto com o "agente Guarani" e o "Doutor Diogo", codinomes de outro sargento do Exército e de um tenente da PM lotados na mesma unidade, Wagner integrava o braço operacional de um grupo extremista que desencadeou uma série de ações explosivas, entre os anos 1970-80, na contramão do processo de abertura política.

Trinta anos após a morte de Lyda Monteiro, no dia 27 de agosto de 1980 - o "11 de Setembro carioca", quando duas cartas-bomba explodiram na OAB e na Câmara Municipal (outra, enviada à Sunab, não estourou) -, o cruzamento de documentos oficiais com informações que emergem dos porões do regime indica que Rosário e Guarani ingressaram no grupo terrorista (no qual eram subordinados a oficiais do SNI, fora da cadeia de comando) por discordar do desmonte da máquina de prender e torturar do DOI.

Depoimentos prestados por oficiais da repressão ao projeto História Oral do Exército (196431 de março), da Biblioteca do Exército, mencionam os bolsões de insatisfação no DOI. Um general reformado, ouvido recentemente pelo GLOBO, confirmou o envolvimento de agentes do destacamento nas ações terroristas do período. Um coronel da reserva, que conhecia a fundo o pessoal do DOI, revelou que Rosário e Guarani faziam parte do grupo que atacou a OAB e o Riocentro.

Naquela época, o militar conhecido pelos colegas do DOI (Destacamento de Operações de Informações), na Rua Barão de Mesquita, Tijuca, como "agente Guarani", pelo tom da pele e pelos traços que lembravam um índio, era o sargento paraquedista Magno Cantarino Motta - hoje, aos 65 anos, vivendo na reserva como segundo-tenente. Procurado esta semana, ele se negou a conversar com o repórter.

Em depoimento ao projeto História Oral, um oficial do DOI contou que, nos primeiros meses de 1980 - portanto antes da bomba da OAB -, fora procurado por agentes da Seção de Operações da unidade, que queriam a sua autorização para explodir a casa de força do Riocentro e "melar" a edição daquele ano do show em homenagem ao Dia do Trabalho. Isso significa que o plano do atentado que matou Rosário, praticado em abril de 1981, já existia pelo menos um ano antes. De acordo com o oficial, que garante ter repelido prontamente a ideia, o planejamento contava até com um croqui da casa de força.

Especialistas em explosivos, os dois sargentos eram considerados "altamente operacionais" na unidade. Rosário e Magno, formados na mesma turma da Brigada Paraquedista (64/3), foram cooptados para atuar na repressão no fim dos anos 60. Na Seção de Operações, descrevem os colegas, destacaram-se como "especialistas em prisões e atividades de choque como estouro de aparelhos e prisões que necessitavam do uso de força".

Em 1975, convencido de que a luta armada de esquerda estava praticamente aniquilada, o governo Geisel deu início a um discreto desmonte do DOI. As missões, a partir de então, priorizariam a análise de dados - deixando os agentes "altamente operacionais", gente acostumada a andar à paisana, omitir nomes e ter poderes acima das leis, de braços cruzados. Pouco depois, as bombas da direita começariam a explodir em vários alvos do país, em particular nas bancas que vendiam títulos da imprensa alternativa.

Quem conheceu bem os "agentes operacionais" do DOI sabe que, mesmo fora da cadeia de comando, eles jamais fariam ações sem o aval de militares graduados. Pelo menos dois oficiais do SNI em 1980, mas que haviam atuado no DOI nos anos mais sangrentos da repressão, tinham influência sobre os agentes da unidade: os coronéis Freddie Perdigão Pereira, da Agência Rio, e Ary Pereira de Carvalho, chefe de Operações da Agência Central, ambos citados em todas as listas de torturadores.

Perdigão, embora fora do DOI, frequentava periodicamente suas dependências, com forte liderança sobre os veteranos - ele esteve entre os responsáveis pela explosão da bomba na casa de força do Riocentro na noite da morte do sargento Rosário.

Mas o que fazia Rosário, meses antes, na sepultura de dona Lyda? Arrependimento? Documentos da repressão, obtidos no Arquivo Nacional, revelam que, enquanto as investigações sobre a autoria do atentado naufragavam em pistas frágeis - o único acusado, um civil chamado Ronald Watters, seria absolvido -, os militares monitoraram cuidadosamente os passos do filho único de dona Lyda, Luiz Felipe Monteiro, e de dirigentes da OAB que cobravam a punição dos culpados.

"Será que alguém tem coragem de dizer que eu não tenho direito de saber quem matou a minha mãe?", cobra Luiz Felippe Monteiro, que hoje estará na antiga OAB, às 13h40m (hora exata da explosão), para um ato em memória da mãe.


FONTE: OAB-RJ / Jornal O Globo

Notícias publicadas em 27/08/2010 

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